Jogando para a plateia

O grande jurista Ruy Barbosa, em certa ocasião, afirmou que não há a quem recorrer contra o Poder Judiciário. Hodiernamente, em nome de um clamor popular, vemos crescer a influência deste Poder, sob o prisma de que a Justiça tem a chamada “palavra final”.

O mais recente capítulo deste avanço da Justiça sobre a Constituição ocorreu em um julgamento concluído pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em sede de Recurso Extraordinário, sendo aprovada a tese para fins de Repercussão Geral de que são imprescritíveis as ações de ressarcimento ao erário em razão da prática de ato doloso tipificado na Lei de Improbidade Administrativa.

Não há discussão quanto a nocividade dos atos ímprobos praticados contra o erário, sobretudo de maneira intencional, mas, não se pode perder de vista que a Constituição, graças a sua supremacia, está acima de qualquer outra legislação, inclusive do entendimento dos 11 Ministros que compõem a Suprema Corte. Aliás, convém lembrar que a Carta Federal foi planejada e escrita pelo Poder Constituinte, ou seja, representantes do povo, de quem emana todo o poder.

Está nesta Constituição que todo cidadão brasileiro tem o direito ao devido processo legal, formado por um conjunto de normas e princípios. Dispõe o artigo 5º desta Carta Magna, mais especificamente no inciso LXXVIII que “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”. Assim, a razoável duração do processo constitui garantia fundamental expressa e decorre do princípio implícito do “due process of law” e está intimamente relacionada com o prazo prescricional processual.

Ao entenderem de forma contrária ao que prega a Constituição, os seis Ministros do STF que formaram maioria utilizaram argumentos que são relevantes, contudo, que confrontam a vontade do Constituinte, que quando pretendeu estabelecer os casos de imprescritibilidade, assim o fez.  Nas palavras do Ministro Marco Aurélio, que acompanhou o Relator Min. Alexandre de Moraes, mas integraram a corrente vencida: “Não cabe ao intérprete excluir do campo da aplicação da norma situação jurídica contemplada, como não cabe também incluir situação não prevista”.

Com a devida vênia, os Ministros que elaboraram a referida tese não seguiram o conselho de Miguel de Cervantes, posto que, ao invés de incentivarem a atuação do Poder Judiciário no intuito de evitar que tais ações prescrevessem, resolveram, de forma altamente insegura, ater-se aos efeitos prescricionais.

A Improbidade Administrativa no Brasil, em razão de seus protagonismos e de suas derivações e consequências, não só em razão da prática em si, mas de suas vertentes, tem feito com que cada vez mais pessoas, sérias e cientes de seus deveres com a sociedade, se afastem da prestação de serviços públicos. Por exemplo, os gestores públicos estão sujeitos e expostos a correrem o risco de ver toda sua vida ser prejudicada em virtude de um eventual equívoco na assinatura de um documento ou no acolhimento de um parecer.

Com esta decisão, além desses riscos, as pessoas que ainda se aventuram nesta seara agora terão que encarar e se sujeitar, para o resto de suas vidas, aos efeitos e implicações de um instituto que poderá ser acionado a qualquer tempo.

Se o intuito da interpretação dada pela Suprema Corte é proteger o patrimônio público e indiretamente combater a corrupção, é primordial memorar que a probidade passa pela sua atuação em diversas frentes. Passa por maior competência dos órgãos de controle no sentido de prevenir más práticas. Passa por mais agilidade na tramitação destes processos, respeitando o direito ao contraditório e a ampla defesa. Passa precipuamente pelo respeito aos princípios constitucionais. Contudo, quando o Órgão de Cúpula do Poder Judiciário, guardião da Constituição e que tem o dever de assegurar o seu cumprimento a atropela, como disse Ruy Barbosa, tristemente, não há a quem recorrer.